quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Cezar Britto: Advocacia deve ser arma poderosa da ética e da democracia.

"A advocacia é arma poderosa a serviço da ética, dos direitos humanos e do aperfeiçoamento da democracia, Precisamos mais que nunca utilizá-la em defesa do bem comum e da sobrevivência dos valores mais nobres legados pela civilização". A afirmação foi feita pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, ao abordar hoje (30), em Bucareste, na Romênia, "o crescente papel da OAB na internacionalização da profissão legal" na reunião do Senado Internacional dos Colégios de Advogados. A reunião integra a programação do 52º Congresso da União Internacional dos Advogados (UIA), que acontece desde esta quarta-feira em Bucarest. Ao discursar sobre o papel da Ordem no Brasil, Britto lembrou que a entidade é o segundo maior colégio de advogados do ocidente - com 600 mil inscritos - e destacou que, no Brasil, a advocacia não é mero serviço mercantil. "É função pública, prevista na Constituição Federal". Segundo Britto, a OAB se posiciona além dos deveres corporativos, se envolvendo com o processo político-institucional do País e a ela cabendo atuar como "guardiã da cidadania". Britto enfatizou a busca efetiva da cooperação com os demais países e instituições representativas da advocacia, especialmente no que se refere à cooperação técnica e serviços jurídicos. No campo institucional, Britto informou que a OAB tem priorizado a defesa da democracia e dos direitos humanos, externando sua preocupação com os "ventos autoritários" que sopram sobre as democracias modernas, "cada vez mais abdicando dos princípios fundamentais conquistados no avançar da humanidade". Por fim, o presidente nacional da OAB enalteceu a importância da advocacia no mundo e defendeu como sua missão a de transformar o mundo em uma "verdade aldeia global", "não apenas no seu aspecto econômico, mas, sobretudo, na sua convivência humanitária".
A seguir a íntegra do discurso proferido pelo presidente nacional da OAB na Reunião do Senado Internacional dos Colégios de Advogados:
"Senhoras e senhores: O tema que me foi proposto - "O crescente papel da OAB a internacionalização da profissão legal" - impõe, como premissa, breve análise a respeito da construção do regime internacional de serviços jurídicos. Sabemos que a humanidade caminha a passos largos rumo à construção de um habitat cada vez globalizado. É previsível, inevitável e natural que tal fenômeno ocorra. É previsível, porque os avanços científicos proporcionaram um maior número de interações, maior fluxo de comunicação, redução de distâncias, além de ampliar os horizontes e promover intercâmbios comerciais, culturais e outros mais. É inevitável, porque nada pode segurar o avançar do processo civilizatório, pois evoluir integra o sentimento atávico do homem É natural, porque é fácil compreender que a Terra somente ficará bem cuidada quando o homem, livre dos limites territoriais por ele próprio criado, buscar soluções coletivas para os graves problemas que enfrenta. Afinal, não se combate as guerras, genocídios, destruição do meio-ambiente, intolerância, preconceito, desigualdade, tráfico de pessoa humana e centenas de outros crimes contra a humanidade com decisões isoladamente quixotescas. Embora previsível, inevitável e natural, não é fácil operar esta aparente obviedade. É que, para tanto, necessário se faria harmonizarmos interesses díspares, assim como a superação de conflitos culturais e múltiplas outras idiossincrasias. A própria visão do que seja - ou deva ser - a globalização não é comum aos agentes desse processo. Há paradigmas diversos a orientá-la, impondo-lhe direcionamentos e objetivos distintos. A lógica neoliberal, do Consenso de Washington, da qual divergimos - e que vive presentemente, com a crise financeira dos EUA e da União Européia, a sua agonia -, submeteu a globalização aos interesses e aos critérios do mercado, quebrando-se as fronteiras tão-somente para o capital, sempre objetivando aumentar a produtividade, a lucratividade e a competitividade das economias e empresas internacionais. A OAB, como já exposto, não se filia a esta falida compreensão do mundo. Mas seu relacionamento internacional não esta pautado no sentimento xenófobo. A advocacia brasileira não cultua o isolamento. Suas dimensões de país-continente e oitava economia do mundo o colocam em posição de liderança natural entre os países em desenvolvimento - e o obrigam a familiarizar-se com os desafios contemporâneos. Somos o segundo colégio de advogados do Ocidente, com mais de 600 mil inscritos OAB, único órgão classista da advocacia no país. Um ponto fundamental para compreender o papel da OAB nessa questão, pode ser resumido na afirmação de que, no Brasil, a advocacia não é considerada um serviço mercantil. É função pública, prevista na Constituição Federal, que, em seu artigo 133, diz que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Ao conceder tal status ao advogado, o constituinte brasileiro definiu-o para além de sua atividade estritamente privada, qualificando-o como prestador de serviço de interesse coletivo e conferindo a seus atos munus público. A Lei Federal da Advocacia, por sua vez, em seu artigo 44, inciso I, reforça esse tratamento, ao atribuir à OAB o dever de: "Defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, os direitos humanos, a Justiça Social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da Justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas." Isso, como é óbvio, nos coloca além de nossos deveres corporativos e nos envolve com o processo político-institucional do país, nos impondo o desafio de evitar o contágio com o varejo partidário e manter a isenção que nos cabe como guardiões da cidadania. Não sem razão, costuma-se dizer, no Brasil, que o presidente da OAB é o presidente da sociedade civil. O nosso relacionamento internacional reflete esta nossa visão institucional. Conciliamos a defesa do Estado Democrático de Direito com a defesa da própria advocacia. Não é uma missão fácil. Os desafios são gigantescos, mas combater, destemidamente, o bom combate é tarefa inerente à advocacia. Eis porque a OAB busca a efetiva cooperação com demais países e instituições representativas da advocacia, resguardados os interesses nacionais. É natural que o passo inicial se dê com os vizinhos continentais e se estenda aos países ibéricos, pelos estreitos laços afetivos e culturais que nos unem. Mas não se limita a eles, especialmente no que se refere à cooperação técnica e serviços jurídicos. No campo institucional, tem a Ordem dos Advogados do Brasil priorizado a defesa da democracia e dos Direitos Humanos. Em suas várias manifestações, tem a OAB externado a sua preocupação com os ventos autoritários que sopram sobre as democracias modernas, cada vez mais abdicando dos princípios fundamentais conquistados no avançar da humanidade, resumido na insana lógica de que o combate ao terror pressupõe graves restrições à liberdade, à privacidade e ao sagrado direito de defesa. A prisão de Guantánamo, a admissão da tortura como instrumento probante válido, as interceptações telefônicas, o ato patriota, a criminalização dos imigrantes e da pobreza são alguns desses exemplos que se espalham perigosamente. Foi visando a preservação da dignidade da pessoa humana que, no mês passado, celebrou convênio com o Conselho Geral da Advocacia Espanhola visando a assistência jurídica aos brasileiros e espanhóis necessitados, especialmente os imigrantes apontados como ilegais e as vitimas do tráfico de pessoa humana. Nessa mesma linha de ação, no ano passado a OAB participou, como observador internacional, na 1ª instância do processo de julgamento dos cinco cubanos na Corte de Apelação de Atlanta. Presos desde 1998, são injustamente acusados de conspiração de espionagem nos EUA. Os cinco cubanos têm até o dia 1º de dezembro de 2008 para solicitar ao Supremo Tribunal dos EUA que considere a apelação do caso. Ainda segundo o mesmo raciocínio, tem protestado nos mais diversos mecanismos internacionais quando a intolerância política, religiosa, racial ou social se tornam práticas governamentais. Também tem fortalecido o seu relacionamento associativo, compartilhando idéias, projetos, intercâmbios e experiências. Neste sentido, é de diversas entidades, como a UIA (União Internacional dos Advogados), UIBA (União Ibero-Americana de Ordens e Colégios de Advogados), FIA (Federação Interamericana de Advogados), IBA (Associação Internacional de Colégios de Advogados), COADEM, (Conselho de Colégios e Ordens de Advogados do Mercosul) e UALP (União dos Advogados de Língua Portuguesa), ressaltando que atualmente nos compete a presidência desta última associação. A OAB tem se empenhado pela capacitação dos advogados brasileiros em direito internacional, e busca envolver-se nesse debate adaptando-se às demandas externas. Tem privilegiado intercâmbios profissionais, congressos e debates institucionais, destacando-se, ainda, os programas em que recepcionou diversos advogados de Cabo Verde, República Dominicana, Honduras, Peru e Cuba, da mesma forma com que enviou delegações para a Inglaterra, República Dominicana e Honduras. Assinou, com a UALP, convênios destinados ao aperfeiçoamento profissional de advogados de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. No que se refere caso estrito da regulamentação dos serviços jurídicos e transfronteiriços, considera a OAB que é preciso observar, antes, considerar o perfil e os reais objetivos das instituições que a buscam, bem como as conseqüências que poderão provocar na advocacia brasileira. É que, como já exposto, não vemos na advocacia mero serviço mercantil. Ademais, rejeitamos o viés essencialmente comercial das relações internacionais, onde se busca tão-somente a abertura e integração de mercados, que, dada a assimetria entre os parceiros, poderá nos conduzir um desigual processo de anexação de mercados. Observe-se que, nem sempre a reciprocidade, princípio fundamental nas relações internacionais, é proposto, especialmente quando se dificulta a autorização de permanência e trabalhos dos advogados oriundos dos países emergentes ou menos favorecidos pela fortuna. Não se pode negar que a nova Lei de Imigração da Comunidade Européia é um obstáculo à mencionada reciprocidade na concessão de serviços jurídicos. Não creio que seja impossível conciliar interesses e pontos de vista, mas esse é um processo que exige labor e mútua compreensão. A OAB tem demonstrado a sua preocupação com inserção internacional mais justa e equilibrada, tanto assim que emitiu o provimento 91/00, que dispõe sobre a atividade de consultores e sociedades de consultores estrangeiros no Brasil. A partir dele, admitiu-se a consultoria em direito estrangeiro, vedando-se, como não poderia deixar de ser, a prática de advocatícios ou atos judiciais no que se refere ao direito nacional. No âmbito do COADEM e da UALP tem se avançado para a atuação mais ampliada, o que ocorre, reciprocamente, com Portugal. Em conclusão, a realidade que nos é apresentada está a exigir de nós a adoção de três vigorosas dinâmicas: atualização, inventividade e coragem. Atualização, pelo estudo continuado e pelo intercâmbio intensivo com todas as instâncias difusoras de novas experiências ou de novo saber jurídico. Inventividade, na releitura dos princípios e formulações do Direito seja para readaptá-lo, seja mesmo para recriá-lo. Coragem, para sustentar até o último alento a defesa de uma civilização que não abdique nem da justiça, nem da empatia, nem da solidariedade para com o ser humano. O Brasil, quanto a esses pressupostos, tem se fortalecido. Além da mencionada competência e proteção constitucional, acaba de aprovar lei federal reconhecendo, em definitivo, a inviolabilidade dos escritórios e locais de trabalho dos advogados, à salvo até mesmo de mandado judicial. Dominados pelo senso de Justiça, que é o eixo de nossa atividade profissional, compete-nos evitar no século XXI a repetição dos dramáticos e violentos conflitos que marcaram o século XX como dos mais trágicos períodos da história da humanidade. A advocacia é arma poderosa a serviço da ética, dos direitos humanos e do aperfeiçoamento da democracia, Precisamos mais que nunca utilizá-la em defesa do bem comum e da sobrevivência dos valores mais nobres legados pela civilização. Essa a missão que a OAB se impõe no Brasil, quando trata de temas tão importantes e delicados como a internacionalização da advocacia. Essa é a contribuição solidária da advocacia brasileira para transformar o mundo numa verdadeira aldeia global, não apenas no seu aspecto econômico, mas, sobretudo, na sua convivência humanitária.
Muito obrigado."

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