terça-feira, 29 de abril de 2014

A judicialização da política

ARTIGOS / FELIPE AMORIM REIS 
A questão sob a ótica constitucional
FELIPE AMORIM REIS
Recentemente a atual oposição política do Governo Federal ingressou no Supremo Tribunal Federal para obrigar o Congresso Nacional à instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito exclusiva para investigar a compra da refinaria Pasadena pela empresa brasileira Petrobras.

Hodiernamente, a política brasileira tem sofrido constantes intervenções judiciais através dos Tribunais, o que de certa forma prejudica as negociações democráticas e que a vontade do povo seja levada a cabo.

O Direito tido como uma ciência social destinada a regular conduta humana intersubjetiva está dissociada da ciência política, muito embora a justiça e segurança jurídica do direito normalmente se cruzam com a soberania popular e a legitimidade democrática do mundo político.

Hans Kelsen , pai da Teoria Pura do Direito disseminou a tese jus-positivista no século XX de que o direito, tido como ciência, não deveria ter interferências de outras ciências:

“Neste sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do positivismo jurídico. Recusa-se a valorar do Direito Positivo. Como ciência, ela não se considera obrigada senão a conceber o Direito Positivo de acordo com a sua própria essência e a compreendê-lo através de uma análise de estrutura. Recusa-se, particularmente, a servir de quaisquer interesses políticos, fornecendo-lhes as “ideologias” por intermédio das quais a ordem social vigente é legitimada ou desqualificada. Assim, impede que, em nome da ciência jurídica, se confira ao direito positivo um valor mais elevado do que ele possui”.

Desta forma, em razão do fortalecimento do Poder Judiciário a partir da Constituição da República de 1988, bem como a crescente intervenção judicial a partir da segunda guerra mundial na política na Europa continental e nos Estados Unidos. O país adotou em seu sistema a jurisdição constitucional, permitindo a intervenção judicial na política brasileira, para que o Judiciário dê a última palavra quando houver violação da norma constitucional fundamental no caso concreto.

A Constituição da República de 1988 estabelece no seu art. 2º como um dos seus pilares da razão de ser do estado e cláusula pétrea, a independência e harmonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Porquanto o poder estatal é uno e indivisível e é exercido pelo Estado nas funções: legislativa, administrativa e jurisdicional.

Com efeito, a Constituição brasileira adotou a teoria da tripartição dos poderes criada pelo Francês Montesquieu, sistema conhecido como dos freios e contrapesos, de modo que cada um dos poderes controla e outro.

Sobre a harmonia e independência dos poderes da república, o constitucionalista português J. J. Canotilho preleciona no sentido de que:

“Independente da discussão em torno da fundamentação empírica e categorial (apriorística) da divisão dos poderes, impõe-se a individualização em dois momentos essenciais da directiva fundamental da organização do poder político: (1) a separação das funções estaduais e a atribuição das mesmas a diferentes titulares (separação funcional, institucional e pessoal); (2) A interdependência de funções através de interdependências e dependências recíprocas (de natureza funcional, orgânica, ou pessoal); (3) o balanço ou controlo das funções, a fim de impedir um superpoder, com a consequência possibilidade de abusos e desvios. Pode afirmar-se que também entre nós este principe d´art politique tem subjacente a ideia de constituição mista, a máxima política de divide e impera e a exigência de freio e contrapesos (checks na balances) Le pouvoir arrête Le puvouir.”

Nestes termos, entende-se a tripartição dos poderes, assim como adotado pela Constituição Federal 1988, como uma forma criada pelo constituinte originário de evitar o superpoder e que permita um poder controlar o outro nos seus atos, evitando desvios e abusos de poder, de modo que os poderes estatais estão entrelaçados entre si.

A interferência judicial na política tem-se dado em razão da inoperância dos Poderes Legislativo Executivo e falta de representatividade do mesmo, bem como constantes crises de corrupção que assola o país brasileiro.

Todavia, o Poder Judiciário deve ter muita cautela ao adentrar no mérito político-discricionário quando interferir no Poder Legislativo, pois o efeito da decisão judicial pode ser prejudicial para a política majoritária e para os verdadeiros mandatários eleitos pelo povo.

Por outro lado, sempre que houver excesso de poder do Legislativo ou Executivo e a não observância do regramento constitucional, o Poder Judiciário, como guardião da Constituição Federal deve intervir para restabelecer a ordem constitucional.

No controle de constitucionalidade, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a doutrina constitucionalista é firme nos sentido da aplicação do Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade nos atos do Poder Executivo e Poder Legislativo, ensejando a intervenção judicial nos casos de sua não observância, vejamos:

“Todos os atos emanados do Poder Público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade. As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do 'substantive due processo of law' (...) A exigência de razoabilidade qualifica-se como parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. A exigência de razoabilidade que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais”
(ADI nº 2667/MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12/03/2004).

Neste sentido, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes nos ensina que,

“O excesso de poder como manifestação de inconstitucionalidade configura afirmação da censura judicial no âmbito da discricionariedade legislativa ou, como assente na doutrina alemã, na esfera da liberdade de conformação do legislador (gesetzgeberiche Gestaltungsfreiheit)”.

Pois para o citado constitucionalista,

“A inconstitucionalidade por excesso de poder legislativo introduz delicada questão relativa aos limites funcionais da jurisdição constitucional. Não se trata, propriamente, de sindicar os motivi interiori della volizione legislativa. Também não se cuida de investigar, exclusivamente, a finalidade da lei, invadindo seara reservada ao Poder Legislativo. Isso envolveria o próprio mérito legislativo.”

Por fim, conclui-se que a jurisdição constitucional realizada pela Suprema Corte nas democracias contemporâneas possui um aspecto negativo, pois demonstram a desconfiança da sociedade com a democracia e com a política representativa e confiança excessiva no Poder Judiciário ao mesmo tempo.

A guisa de todo o exposto, em respeito ao princípio constitucional da harmonia e independência entre os três Poderes da República, é imperioso a não intervenção do Poder Judiciário em casos que compete apenas aos Poderes Executivo e Legislativo para que a política majoritária e a população não sejam prejudicadas, pois “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, no termo desta Constituição” (Parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal de 1988).

Felipe Amorim Reis é Advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso e Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MT.

Referências:

Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, São Paulo 1996. P.118.

J.J. CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Ed. Almedina. Coimbra/Portugal. 7ª Edição. P. 556.

GILMAR FERREIRA MENDES. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Ed. Saraiva 3ª Edição, São Paulo 2007. P. 46.

sábado, 19 de abril de 2014

OAB critica ‘enxurrada’ de processo

Diário de Cuiabá 18.04.2014

CÂMARA DE CUIABÁ

OAB critica ‘enxurrada’ de processos

Da Reportagem

Os constantes recursos impetrados pelos vereadores de Cuiabá visando que o Judiciário mato-grossense resolva embates administrativos colocaram em xeque o princípio da não interferência entre os Poderes. Na grande maioria das vezes, o pivô dos processos foi o vereador João Emanuel (PSD).

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB/MT), Maurício Aude, vê com pesar a situação. “Quando o Poder Legislativo não consegue resolver suas questões entre si, não é mau que se recorra à Justiça, mas a OAB vê com muito pesar a postura adotada por esta Legislatura [da Câmara de Cuiabá]”.

Para ele, os vereadores têm brigado pelo poder, deixando de lado os interesses da população. “Esta Legislatura já vai completar um ano e seis meses e a única coisa que se vê é a briga pelo poder. Não se vê saindo daquela Casa um projeto de relevância em benefício da população, em especial daqueles mais carentes. Eles [vereadores] foram eleitos para isso, mas a única coisa que estão fazendo é produzir uma briga ferrenha e desmedida pelo poder”, critica.

Já o presidente da Comissão de Direto Constitucional da Ordem, Felipe Amorim, avalia que a “intromissão” do Judiciário se deve à inoperância do Legislativo cuiabano.

“Isto tem acontecido bastante porque o Legislativo não tem cumprido seu papel, não tem observado as normas legais previstas na Constituição e a jurisdição tem o poder de resguardar o direito constitucional”, argumenta.

Apesar disso, ele também vê prejuízos. “O direito é imune à política, mas por conta do nosso atual ativismo político, o Judiciário tem interferido bastante em questões internas. A Constituição prevê que são independentes, mas harmônicos entre si. Mas também admite que um Poder controle o outro no que pese ao abuso e ao não cumprimento da legislação”, explica.

A “judicialização” de questões internas da Câmara de Cuiabá se iniciou com o questionamento do valor da verba indenizatória. Os parlamentares não admitiram a redução do benefício e travaram uma verdadeira guerra judicial que perdura até os dias de hoje.

Também contribuiu para a interferência do Judiciário as ações impetradas sobre a instalação ou não de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Oposição e situação divergiram e levaram os casos à Justiça que, até o momento, não se manifestou sobre boa parte dos processos.

Outro episódio foi o afastamento de João Emanuel do comando da mesa diretora da Câmara, aprovado pela base governista durante uma sessão que, mais tarde, também teve sua validade questionada junto ao Tribunal de Justiça.

A partir de então, a participação do Judiciário nos procedimentos da Câmara se tornou ainda mais frequente, em especial, após a deflagração da operação Aprendiz pelo Ministério Público.



http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=449765

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Câmara pode reviver ‘caso Ralf Leite’

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Presidente da mesa diretora demonstra preocupação com a possibilidade de social-democrata ser cassado e reaver o cargo junto ao Judiciário 

OTMAR DE OLIVEIRA
Pedido de cassação de João Emanuel será votado 3ª-feira
THAISA PIMPÃO
Da Reportagem

Caso resulte na perda do mandato, a votação do relatório da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara de Cuiabá que pede a cassação do vereador João Emanuel (PSD) pode fazer com que o Legislativo municipal reviva um caso antigo: o do ex-vereador Ralf Leite, cassado em 2009 por quebra de decoro e reempossado em 2012, após decisão em caráter liminar proferida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ari Pargendler.

Desde os primeiros passos da Comissão de Ética na investigação de suposto envolvimento do social-democrata em um esquema de fraude em licitações, desvio de recursos e falsificação de documentos a defesa de João Emanuel alega descumprimento de prazos e procedimentos regimentais. A mesma argumentação de irregularidade no processo foi usada por Ralf para retomar o cargo no Parlamento.

Ao perder o mandato por quebra de decoro, o ex-vereador foi acusado de falsidade ideológica, corrupção ativa e exploração sexual de menor. Ele foi flagrado na região do Zero Km, em Várzea Grande, na companhia de um travesti menor de idade e, na tentativa de intimidar os policiais que o abordaram, teria usado sua autoridade como vereador.

Três anos mais tarde, o ministro do STF afirmou que o procedimento administrativo instaurado na Câmara fora “cheio de vícios de caráter ilegal” e, por isso, “absolutamente nulo”. Ele ainda ressaltou que o “erro” foi evidenciado pelo próprio Legislativo municipal, em parecer jurídico exposto durante o andamento do processo.

No caso de João Emanuel, a Justiça estadual já suspendeu, no fim de março, o prazo dado pela Comissão de Ética para que ele apresentasse defesa. A ordem atendeu a um recurso em que o vereador apontou falhas como o não recebimento de parte do material utilizado pela acusação e suposta ilegalidade das provas. No mesmo mês, no entanto, o Tribunal de Justiça autorizou a retomada da investigação interna.

Segundo o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB/MT), Felipe Amorim Reis, a Constituição Federal resguarda aos processados no âmbito judicial, cível e administrativo o direito de se defender. “Não conheço o teor completo processo de cassação que corre na Câmara, mas é certo que a legislação resguarda livre acesso a todos os meios de defesa”.

O jurista também pontua que, quando uma decisão do Legislativo não respeita a previsão constitucional, o Judiciário pode intervir.

“O Judiciário respeita o Legislativo nos atos que o competem, como são os casos das CPIs. Entretanto, em havendo violação nas cláusulas constitucionais de ampla defesa e todos os meios jurídicos, a cassação pode ser anulada. O Judiciário não pode ficar de olhos fechados para qualquer tipo de ilegalidade, mesmo em atos ‘interna corporis’", sustenta Reis.

Presidente da Câmara, o vereador Júlio Pinheiro (PTB), que atuava quando houve a cassação de Ralf Leite, defende que os procedimentos legais sejam seguidos e demonstra preocupação com a possibilidade de João Emanuel ser cassado e depois retornar por decisão judicial.

“Quando julgávamos o Ralf, fui contra a cassação porque ele não teve direito a defesa. A Comissão de Ética foi criada da noite para o dia e o Regimento Interno não tinha parâmetros para serem seguidos. Me lembro de que o então presidente, Deucimar [Silva], chegou a dizer que a Constituição, o Regimento e a Lei Orgânica eram ele”, relembra.

Os parlamentares cuiabanos votam na próxima terça-feira (15) se mantêm João Emanuel no cargo ou não. São necessários 13 votos para que ocorra a cassação


http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=449506