sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Busato detalha papel do TPI e atuação da advocacia no Tribunal.

Brasília, 03/10/2008 - "O Estatuto de Roma e o Código de Conduta do Advogado, paralelamente à preocupação com o profissional do Direito que atua no Tribunal Penal Internacional (TPI), trabalham no sentido de garantir ao réu amplo direito de defesa, independentemente de suas condições econômicas, situação social ou origem". A afirmação foi feita pelo ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e membro honorário vitalício da entidade, Roberto Busato, ao integrar hoje (03) mesa redonda que debate, em Madri, na Espanha, os papéis e rotinas do Tribunal Penal Internacional. No evento, acompanhado do presidente nacional da OAB, Cezar Britto, Busato detalhou o papel do TPI desde à sua criação e destacou a atuação dos advogados nesse Tribunal. Busato afirmou que o TPI foi criado a partir de uma Conferência Diplomática realizada em Roma, no ano de em 1998. Na ocasião, foi aprovado o Estatuto de Roma, que entrou em vigor em 1° de julho de 2002, após 60 Estados terem manifestado seu consentimento. A idéia partiu de duas experiências, datadas de 1993 e 1994, quando foram instituídos dois tribunais especiais para punir as graves violações do direito internacional humanitário ocorridas na ex-Iugoslávia e em Ruanda. "A criação desses tribunais especiais e, posteriormente, do Tribunal Penal Internacional, demonstra o interesse da comunidade internacional em pugnar pelo julgamento de crimes contra a humanidade, do genocídio, dos crimes de guerra e de graves agressões a povos específicos", afirmou Busato, lembrando que o TPI é órgão independente da Organização das Nações Unidas. Em sua explanação, Busato ressaltou que o TPI não julga Estados, mas somente indivíduos, sendo de sua competência crimes como os de guerra (inclusive a utilização nos conflitos de crianças menores de 15 anos), de genocídio (homicídio e Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo), os crimes contra a humanidade (homicídios, extermínios, escravidão, tortura, agressão sexual, escravatura sexual e desaparecimento forçado de pessoas) e o crime de apartheid. A seguir a íntegra da manifestação do membro honorário vitalício da OAB e atual presidente da Comissão de Relações Internacionais da entidade, Roberto Busato: "Senhoras e senhores:
Introdução O Tribunal Penal Internacional (TPI) foi criado a partir de uma Conferência Diplomática, realizada na cidade de Roma, em 1998. Na ocasião, foi aprovado o Estatuto de Roma, que entrou em vigor em 1° de julho de 2002, após sessenta Estados terem manifestado seu consentimento. A idéia partiu de duas experiências, datadas de 1993 e 1994, quando foram instituídos dois tribunais especiais para punir as graves violações do direito internacional humanitário ocorridas na ex-Iugoslávia e em Ruanda. A criação desses tribunais especiais e, posteriormente, do Tribunal Penal Internacional, demonstra o interesse da comunidade internacional em pugnar pelo julgamento de crimes contra a humanidade, do genocídio, dos crimes de guerra e de graves agressões a povos específicos. Segundo Jorge Fontoura, membro da Comissão Nacional de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil, por mim presidida, em seu artigo Justiça para genocidas: "Para implementar-se a idéia de justiça internacional que previna impunidade acobertada pela geografia e pelo compadrio é necessário que Estados aceitem alguma limitação de suas soberanias ou autolimitação, para utilizar clássico eufemismo diplomático. Isso se da pela adesão a compromissos jurídicos internacionais, como é o caso do Tratado de Roma que criou o Tribunal Internacional Penal. Tem-se ainda a forma que dispensa tratados, quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas institui tribunais de forma direta e para guerras específicas, como é o caso de Ruanda e da ex-Iugoslávia. É fundamental que nas culturas nacionais se conceba um tribunal internacional não como corte estrangeira a ingerir em assuntos internos de nações soberanas. O que se tem em verdade é o prolongamento do poder estatal, com a corte internacional a funcionar como longa manus das justiças nacionais. Até porque tais tribunais possuem natureza consensual e complementar. Vale dizer, só atuam com a aceitação prévia dos Estados signatários e, ainda mais, apenas na ocorrência de paralisia das justiças locais, quando o Estado que deveria julgar deixou de fazê-lo. A falsa idéia de ser a justiça internacional instância acima do poder do velho Estado nacional, bem ao sabor das viúvas ideológicas, enfraquece o real sentido de efetiva e desejável construção de uma ordem pública universal. Já em tempos de valorização internacional dos direitos humanos, a guerra da Bósnia, entre 1992 e 1995 fez mais de duzentos mil mortos e marcou página trágica nos Bálcãs, em pleno quintal da Europa. Como nas guerras mais primitivas, verificaram-se massacres de população civil e violências insidiosas, perpetradas como políticas de Estado. Agora, com a entrega do líder servo-bósnio Radovan Karadizic pelo seu próprio governo, assiste-se o importante momento de afirmação da justiça global. É certo que o tilintar de fundos comunitários soou forte às autoridades de Belgrado, aspirantes confessas à União Européia. Porém, o resultado é formidável a permitir o julgamento e a punição exemplar de Kadizic, acusado de barbáries inenarráveis como responsável pela morte de milhares de inocentes civis, dentre os quais mulheres, anciãos e crianças." Ainda segundo Jorge Fontoura: "A banalização da violência a que temos assistido no Brasil, e no Rio de Janeiro em particular, a par de nosso distanciamento de questões de natureza mundial, faz com que crimes de guerra e genocidas foragidos pareçam coisa de outro mundo a não dizer-nos respeito. Porém, é de relevância para a sociedade brasileira a construção de consciência acerca do importante papel desempenhado pela justiça internacional penal. Ao impedir a impunidade, ela atua de forma pedagógica, com os olhos voltados ao futuro, a partir das lições trágicas do passado. A história nos ensina que o ovo da serpente, que não escolhe lugar para aninhar-se, encontra guarida ideal na leniência e no descaso dos povos acomodados."
Dos crimes
É imprescindível destacar que o TPI não julga Estados, mas somente indivíduos, sendo de sua competência os seguintes crimes:
1. crimes de guerra:
- atos de agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez a força, esterilização a força ou qualquer outra forma de violência sexual; e - utilização de crianças com menos de 15 anos para participar ativamente nas hostilidades.
2. genocídio:
Trata-se da intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, por meio de: - Homicídio; - Ofensas graves à integridade física ou mental; - Sujeição a condições de vida com vistas a provocar a sua destruição física, total ou parcial; - Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; - Transferência, a força, de crianças de um grupo para outro.
3. crimes contra a humanidade:
Esses crimes compreendem qualquer dos seguintes atos, quando cometidos por ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil: - Homicídio; - Extermínio; - Escravidão; - Deportação ou transferência forçada de uma população; - Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; - Tortura; - Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; - Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional; - Desaparecimento forçado de pessoas; - Crime de apartheid; e - Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
Da competência
Quando um Estado passa a ser Parte no Estatuto, ele aceita a competência do Tribunal sobre os crimes mencionados há pouco e, então, poderá exercer jurisdição sobre os seus indivíduos. Mas é importante destacar que, segundo o princípio da complementaridade, a jurisdição do TPI deve ser exercida somente quando um Estado não possa ou não deseje julgar os supostos criminosos de guerra que estejam sob sua jurisdição ou quando não detenha uma legislação adequada que lhes permitam julgar esses criminosos. É possível, ainda, que um país que não seja parte do estatuto emita declaração extraordinária com vistas a tornar o tribunal competente em qualquer eventualidade. Até junho de 2008, 106 países haviam ratificado e acedido ao estatuto de países membros do TPI. Destaco Argentina, Bolívia, Brasil, Costa Rica, Equador, Espanha, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela e Portugal, todos filiados à União Ibero-americana de Colégios e Ordens de Advogados - UIBA.
Da estrutura
O TPI é um órgão independente e que não pertence à Organização das Nações Unidas, embora mantenha uma relação de cooperação com a mesma - não se pode confundir o Tribunal Penal Internacional com o Tribunal Internacional de Justiça, órgão judiciário máximo da ONU, também situado em Haia, na Holanda. O TPI é composto por quatro órgãos: Presidência, Divisões Judiciais, Gabinete do Procurador e Cartório. A presidência atual é ocupada pelo juiz Philippe Kirsch, eleito em 11 de março de 2006. As Divisões Judiciais são as lotações dos 18 juízes do TPI. Há que se fazer especial referência, neste órgão, ao trabalho da juíza Sylvia Steiner, cuja competência e dedicação muito orgulha o Brasil, seu país de origem. O Gabinete do Procurador é responsável pelo recebimento de representações e qualquer informação substancial sobre crimes no âmbito da jurisdição do tribunal, pelo exame dos mesmos e pela condução das investigações e pelas ações penais perante o Tribunal. O atual Procurador é o senhor Luis Moreno-Ocampo (Argentina), empossado em junho de 2003. O Cartório é chefiado pelo Escrivão, que é o principal agente administrativo do Tribunal. Atualmente, o cargo pertence à italiana Silvana Arbia. Além dos órgãos oficiais, são eleitos, para um mandato de quatro anos, Comissários que trabalham como conselheiros e auxiliam no andamento dos trabalhos do Tribunal. E, nesta condição, componho o TPI, designado Comissário Ético, desde abril de 2007, com a função específica de analisar queixas contra atos de advogados ou membros do próprio Tribunal.
Do cargo de Comissário Ético
Em breves palavras, resume-se minha função em avaliar, com caráter confidencial, as queixas administrativas previstas no Estatuto de Roma. Para tanto, preliminarmente, é aplicado um juízo de admissibilidade. Nesta avaliação, entendendo não haver infração, imediatamente devo notificar o representante com minhas razões. Entendendo pela existência da infração, ou seja, recebendo a queixa, devo notificar o representado para resposta em 60 dias. Neste caso, haverá uma audiência no Conselho Disciplinar, onde será analisado o relatório sobre o assunto, bem como serão ouvidos o Comissário responsável e o advogado do representado. Como mencionado, trata-se, minha função, de uma área meio, onde trabalhamos com vistas a garantir transparência e eqüidade aos que buscam o Tribunal.
Do acusado, seus direitos e garantias
O respeito aos direitos e garantias dos representantes e representados não está adstrito à área meio. Especialmente quanto aos acusados, o Estatuto de Roma previu suas sanções, mas sem esquecer os respectivos direitos e garantias, dos quais destaco o direito a um advogado de defesa, bem como a um procedimento justo, que permita avaliar com imparcialidade todas as nuances do processo, independentemente de sua capacidade de arcar com quaisquer encargos. Foi estabelecido, ainda, que o advogado pode ser escolhido pelo próprio réu. Porém, caso este não o tenha ou não possua condições suficientes para pagá-lo, pode solicitar ao Tribunal a designação de um defensor. Destaca-se, então, que o direito de defesa é oriundo do próprio Estatuto de Roma, e veremos que a garantia dos direitos do acusado é ainda mais aprofundada no Código de Conduta Profissional do Advogado. Para uma melhor exposição da matéria, subdividi os direitos do acusado no Tribunal Penal Internacional em implícitos e explícitos. Isto porque apegamo-nos sempre objetivamente aos direitos da defesa, que constam do respectivo capítulo, esquecendo-nos daqueles indiretamente vinculados, mas que têm a única razão de garantir um julgamento justo ao acusado. Inicialmente, apresentarei aqueles direitos que não estão dispostos em um artigo que carrega o nome de garantias do réu, mas aqueles que estão nas entrelinhas do Estatuto de Roma e do Código de Conduta Profissional do Advogado.
Das garantias implícitas
Essas primeiras garantias, às quais refiro como implícitas, nascem na medida em que é definido um padrão geral de conduta do advogado, a iniciar-se pelo juramento deste, obrigatório, onde deve declarar que desempenhará os seus deveres e a sua missão com integridade e diligência, de maneira honrosa, livre, independente e consciente, além de respeitar com escrúpulos o sigilo profissional e outras obrigações impostas pelo Código de Conduta Profissional do Advogado perante o Tribunal Penal Internacional. Não obstante, as garantias evoluem ao tempo em que, no mesmo diploma, são assegurados princípios básicos de independência, liberdade, respeitabilidade, competência, sigilo profissional e confidencialidade. Além de princípios gerais, no que tange a uma relação direta entre o advogado e o cliente, ressalva o Código que o advogado deve evitar qualquer conduta discriminatória, independentemente de sua orientação política, religiosa ou sexual, bem como aspectos concernentes à nacionalidade, raça, cor, etnia, gênero, estado civil ou qualquer outro estado pessoal ou econômico. No mesmo sentido, é necessário que o defensor leve em consideração as circunstâncias pessoais e necessidades específicas do cliente, bem como, na eventualidade de haver incapacidade do representado quanto a tomar decisões referentes à sua defesa, o advogado deverá informar o fato ao Escrivão e à Câmara competente, com vistas a garantir uma adequada representação legal. Não poderá o advogado, ainda, envolver-se em conduta imprópria, exercendo influência indevida, especialmente as coercitivas, em suas relações com o cliente, mas atuar com o objetivo de sublimar características como imparcialidade e profissionalismo. E não estão esgotados os mecanismos de defesa dos direitos do réu e da ética no Tribunal Penal Internacional. O Código de Conduta do Advogado vai além, indicando situações em que há o impedimento à representação, dentre as quais se destacam a incompatibilidade ou conflito de interesses em causas ou clientes patrocinados pelo mesmo advogado, e a obtenção de informações confidenciais ou privilegiadas quanto ao caso, o que corroboraria com o desequilíbrio das relações processuais. Assegura-se, ademais, o direito do réu nas disposições quanto ao dever de recusa de representação pelo advogado, o que deve ocorrer nos casos de conflito de interesse, de desconhecimento da matéria, e quando o advogado não se considere com a devida experiência para atuar no processo. Como visto, existem diversas garantias para o efetivo direito de defesa ao réu até sua representação. Mas devemos prosseguir, pois o Código ainda é explícito no que tange à duração do acordo de representação e seu posterior encerramento. Em suma, é garantido ao cliente o aconselhamento e representação, com o fornecimento de todas as explicações razoavelmente necessárias para que tome decisões, até o trânsito em julgado no Tribunal, com todos os recursos, salvo nos casos em que o defensor tenha se retirado do acordo ou o mesmo tenha sido afastado pelo cliente, quando designado pelo Tribunal. Neste caso, aquele repassará com urgência, ao cliente ou advogado posterior, qualquer comunicação que eventualmente receba em relação à representação, sem danos às suas obrigações que permanecem mesmo após o final da representação. Finda a representação, o advogado deverá manter, por cinco anos, os arquivos que contêm documentos e registros durante o cumprimento do mandato, fornecendo ao antigo cliente o que lhe for solicitado, salvo motivo justo. Após tal período, faculta-lhe o descarte dos documentos, resguardada a devida confidencialidade e mediante instruções do próprio cliente, herdeiros ou do Escrivão. Cabe destacar, ainda tratando da relação cliente e advogado de defesa, que os honorários advocatícios devem ser combinados previamente, por escrito, definindo-se valores e modo de pagamento, de forma clara e concisa, inclusive com prestação de contas. Como vimos, há toda uma regulamentação de conduta, que denomino de elementos implícitos, no sentido de enfatizar a necessidade de se garantir ao acusado não somente o direito de defesa stricto sensu, mas um conjunto de princípios sólidos que o resguardem até mesmo de um profissional despreparado. Superado o direito de defesa no que tange às garantias e à relação firmada entre o réu e o seu defensor, há que se tecer considerações quanto ao direito do réu, exercido por meio do seu advogado, perante o Tribunal Penal Internacional, o que denominaremos, doravante, garantias explícitas de defesa.
Das garantias explícitas
Esses direitos, diferentemente dos concernentes à relação com o seu defensor, constam do Estatuto de Roma, essencialmente nos artigos 55, "Direitos das pessoas no decurso do inquérito"; 66, "Presunção de inocência"; e 67, "Direitos do argüido". Destes, destacam-se: a desobrigação de depoimento contra si ou autodeclaração de culpa; a vedação de qualquer forma de coação, intimidação, ameaça, tortura ou tratamentos desumanos; a obrigatoriedade de intérprete caso o interrogado não compreenda ou não fale fluentemente a língua utilizada; o direito de guardar silêncio, sem que tal seja tido em consideração para efeitos de determinação da sua culpa; presunção de inocência até prova da culpa perante o Tribunal; além do já mencionado direito de ser assistido por um advogado. Outrossim, destaca-se como garantia explícita o procedimento de, desde o momento do primeiro interrogatório, ser preciso primar pelas garantias do acusado, informando-o sobre os indícios que levaram à sua acusação, o direito de permanecer em silêncio e o direito de ser assistido por um advogado. Unindo-se, então, as garantias implícitas aos elementos que são, claramente, mecanismos de defesa do réu, chegamos à sua efetiva proteção, respeitando todos os seus direitos durante o trâmite do processo que pesa contra si.
Conclusão
Em conclusão, verificamos que o Estatuto de Roma e o Código de Conduta do Advogado, paralelamente à preocupação com o profissional do Direito que atua no Tribunal Penal Internacional, trabalham no sentido de garantir ao réu amplo direito de defesa, independentemente de suas condições econômicas, situação social ou origem. Portanto, a legislação vinculada ao TPI busca a proteção do direito de defesa, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Muito obrigado."

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