quinta-feira, 31 de maio de 2012

A Guerra Fiscal e o Supremo Tribunal Federal
 
Autor: Felipe Amorim Reis
 
O Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Mato-grossense Gilmar Mendes, apresentou uma proposta de Súmula Vinculante para proibir os Estados e o Distrito Federal de criar incentivos e isenções fiscais sem aprovação unânime do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) como forma de levar a cabo as guerras fiscais entre os Estados Brasileiros que há muito tempo vêm provocando o Judiciário.

A súmula vinculante, cuja previsão constitucional foi atribuída pela Emenda Constitucional nº 45/04, que prevê, em seu art. 103-A, caput, da Constituição Federal de 88, a possibilidade de uma súmula ter eficácia vinculante sobre futuras decisões em todas as instâncias judiciais.
À luz da legislação apontada, "o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei".

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O objetivo da súmula é tentar assegurar o princípio da igualdade, evitando que uma mesma norma seja interpretada de formas distintas para situações fáticas idênticas, criando distorções inaceitáveis, bem como "desafogar" o Supremo Tribunal Federal do atoleiro de processos em que se encontra, gerado pela repetição exaustiva de casos cujo desfecho decisório já é de notório conhecimento.
Pois bem, a aludida proposta de súmula vinculante em seu texto proposto determina “ser inconstitucional qualquer isenção, incentivo, redução, redução de alíquota, ou base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento, ou outro benefício fiscal relativos ao ICMS sem prévia autorização em convênio celebrado no âmbito do conselho nacional de Política fazendária (Confaz).”
O ICMS é um imposto estadual que está genericamente previsto no art.155, II da Constituição Federal, é cobrado em operações comerciais de circulação de mercadoria, prestação de serviços estaduais e intermunicipais de transportes e comunicação ainda que se iniciem no exterior. Este imposto atualmente é uma das principais receitas do caixa dos Estados da Federação e o que suscita maiores controvérsias.
É cediço que no Brasil a política tributária esculpida no arquétipo constitucional de 1988 permite isenções fiscais como forma de desenvolvimento regional para atrair inúmeras fábricas, empresas estrangeiras com o fito de gerar empregos e distribuição de renda em determinada região.
Assim, as isenções como preleciona o Professor Paulo de Barros Carvalho (1) , pertencem à classe das regras de estrutura, que intrometem modificações no âmbito da regra matriz de incidência tributária. Guardando sua autonomia normativa, a norma de isenção atua sobre a regra matriz de incidência tributária, investindo contra um ou mais critérios de sua estrutura mutilando-os parcialmente.
Com efeito, conclui o Professor que isenção trata-se de um encontro de duas normas jurídicas que tem por resultado a inibição da incidência da hipótese tributária.
Como forma de exclusão do crédito tributário à luz do inciso I do art. 175 do Código Tributário Nacional, onde há isenção, não há obrigação tributária e assim não deverá recolher aos cofres públicos o montante do imposto devido em razão do crédito estar excluído.
Desta forma, o legislador infraconstitucional viu a isenção como forma de alavancar a indústria e a economia dos Estados menos favorecidos.
Ocorre, porém, que os Estados, usando dessa permissão constitucional, começaram a distribuir de modo ilegal inúmeros incentivos fiscais em concorrência entre si, o que foi denominado pelo Judiciário como “guerra fiscal”.
Neste sentido, tende o Supremo Tribunal Federal, através da proposta de súmula vinculante, pôr fim a guerra fiscal entre os Estados, consoante inúmeras e reiteradas decisões do Excelso Pretório entendendo a inconstitucionalidade de isenções fiscais do ICMS sem autorização do Conselho de Política Fazendária.
Por outro lado é importante esclarecer que, conforme reza a regra do artigo 1º da Lei Complementar Nº 24 1975, recepcionado pela Constituição Federal, até decisão em contrário, os incentivos fiscais no que tange ao ICMS só devem ser concedido por aprovação da maioria absoluta de seus membros, que são representados pelos Secretários das Fazendas Estaduais.
Todavia, é imperioso registrar que a maioria dos Estados e das entidades de classe como Federação das Indústrias do Estado de São Paulo é contra a proposta sumular em comento, pois não teria condições técnicas para aprovação e puniria o contribuinte que arca corretamente com suas obrigações tributárias.
Nestes termos, entendo que além de inconstitucional a aludida proposta, pois viola claramente a autonomia entre os estados e a harmonia entre os poderes, acarretaria grave insegurança jurídica entre as empresas que, recebendo os benefícios fiscais com boa fé, teria que pagar retroativamente no quinquídio legal o tributo não recolhido em razão da benesse fiscal, dependendo dos efeitos da modulação da sentença pelo Supremo Tribunal Federal.
Além de abarrotar o Supremo Tribunal com inúmeras Reclamações Constitucionais por descumprimento da súmula vinculante, impede o Supremo de julgar casos relevantes para a sociedade como, por exemplo, o do mensalão.
De outra banda, já existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pugnando pela inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 24/70 e até o presente momento esta ação não foi sequer analisada pelo Supremo Tribunal.
A propósito, seria mais lógico, antes de aprovar a súmula vinculante em foco, a Corte Suprema decidir se a lei que permite os incentivos através da CONFAZ é constitucional ou não, em homenagem aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da certeza do direito, ambos amparados pelo Estado Democrático de Direto.
Ademais, o projeto da súmula em comento será natimorto em razão de tramitar no Congresso Nacional projetos de lei que discutem a uniformização da alíquota do ICMS em todo território nacional.
Por fim, como vivemos em um Estado de Direito e a Constituição Federal é fundamento último de validade de toda ordem jurídica nacional, devemos esperar do STF, como órgão competente para interpretação da Carta Maior, o julgamento da Lei Complementar nº 24/1975, para depois tentar dar cabo a guerra fiscal que há tanto tempo prejudica a economia dos Estados.
(1) Paulo de Barros Carvalho. DIREITO TRIBUTÁRIO LIGUAGEM E MÉTODO. 2ª Edição 2008. Ed. Noeses p. 521.
Felipe Amorim Reis é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MT.
 

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